Nos domínios da maromba
Uma ida à academia de ginástica para fazer musculação. "No pain, no gain". Reclamo, mas gosto. Uma novidade com estreia em dezembro: newsletter sobre corridas de rua! Convites de setembro.
Olá!
Tudo bem por aí? Hoje trago uma crônica sobre musculação e academias de ginástica. Culpo um voo muito atrasado por essa edição, pois comecei a rascunhar e praticamente terminei o texto numa poltrona apertada.
Com o luto do meu cachorro (agradeço às inúmeras mensagens de condolências, fiquei muito comovida lendo os comentários da última edição), também resolvi dar uma geral por aqui:
Alterei o logo da Anacronismo, reforçando a ideia de rascunho.
Ganhei de aniversário do Thiago Ambrósio Lage as inscrições “procrastinar com classe” e também o “muito obrigada” do final. Estamos chiques!
Tudo isso é uma forma de agradecer sua leitura e seu carinho.
Obrigada por estar do outro lado!
Nos domínios do musculoso vil metal
Minha camiseta estampa “preferia estar lendo”, um amuleto para descer ao lugar em que tudo são luzes azuladas e amareladas, com um som difuso de batidas de uma música eletrônica de épocas que nunca vivemos, o ar gelado demais para não se sentir o fedor de suor, somente o cheiro de borracha e de metal espelhados entre pessoas que gemem e expiram tudo o que está nos pulmões.
Um personal age como leão de chácara, protegendo os equipamentos mais disputados para uso de seu pupilo, um homem que demora décadas para se posicionar no leg press. O instrutor da sala de musculação insiste em auxiliar uma moça jovem na gaiola de agachamento, enquanto um senhor parece se lesionar no aparelho de trás.
Para ser sincera, nem sei se preferia estar lendo, com diz minha camiseta, no fundo, gosto disso tudo, mas é bom deixar um aviso implícito: minha alma está e não está à venda aqui. Será?
Campo radioativo
Dentro dos domínios do vil metal e da flexível borracha, passo por um campo minado, uma zona de transição no qual nem os fones de ouvido mais potentes possuem a capacidade de me proteger: o vestiário feminino. Já ouvi murmúrios terríveis neste lugar, o mais tóxico do bairro, o epicentro do envenenamento doce com a capacidade de dilacerar as autoestimas mais firmes — o apontar onde o preenchimento “pegou” e “não pegou”, com o dedo alisando a bochecha da colega; ou o acusar “você andou faltando, mas sempre te vejo na padaria comendo ali na frente” (onde mais as pessoas iriam comer?). São comentários sobre a bunda da coleguinha; sobre o perverso do Lula (durante o período eleitoral, eu nem entrava no vestiário); sobre o treino infernal de spinning, sobre o próprio peso, sobre o peso alheio; sobre roupas de lycra e lurex; sobre procedimentos em época na qual a palavra “cirurgia” parece forte demais; sobre comida e principalmente a falta dela; tudo coroado com a selfie bicuda fazendo o “v” com os dedos, abaixo da inscrição onde se lê: “selfie no banheiro não é legal”.
No pain, no gain
Jane Fonda, ao criar sua rotina de exercícios na década de 1980, colocando uma camada extra de pressão nas mulheres em videocassetes aeróbicos (afinal, o que você faz o dia inteiro em casa, dona de casa? E você que chegou agora à noite e quer descansar?), populariza este jargão no pain, no gain, um “sem dor, sem ganho”, na minha transcriação fabular: "se não tiver dor, não tem lucro".
A crítica Susan Willis vai teorizar, refletindo que, numa sociedade de consumo feroz, “o ato de consumir não envolve necessariamente uma troca econômica. Consumimos com os olhos, absorvendo produtos com o olhar cada vez que empurramos um carrinho pelos corredores de um supermercado, assistimos à televisão ou dirigimos ao longo de uma rodovia pontuada por logotipos. O consumo visual é de tal forma parte de nosso panorama cotidiano que não nos damos conta dos significados inscritos em tais procedimentos.” (estou sem o belo livro da Willis em casa, é uma citação que retirei deste artigo: GOMES, Paola. Mídia, imaginário de consumo e educação. Educação & Sociedade, 22(74), 2001, p. 191–207.)
Fico pensando se, neste lugar dos cheiros de borracha e metal, em que nossos corpos são revestidos de luzes azuis e amarelas, também não somos consumidos. E consumimos, senão, nem teria graça. A balança da perda e do ganho. Ainda a Willis comenta como a categoria de gênero — essa construção maluca a que nos apegamos tanto, marca-se ainda mais nesses lugares gelados, reforçada por meio da moda muito específica, diferente de outros tipos de vestimentas. Um corpo sinalizado.
Ao sair do vestiário, com minha camiseta “preferia estar lendo”, mas devidamente envelopada em lycra nas pernas, lembro de um episódio: um instrutor brincalhão nos Estados Unidos me avisou, “você está dispensada de fazer o exercício de glúteos, pois já tem uma Brazilian butt”, em alusão a minha bunda e nacionalidade. Em Nova York, muita coisa relacionada a Brazil faz alusão às partes baixas com tom derrogatório — do cinto para calça jeans, que não deixa o cofrinho aparecer, até aquela depilação bem cavada. Na hora, fiz igual faço no vestiário. Fingi achar graça. Para algumas coisas, fones de ouvido não oferecem proteção alguma.
Bezerros mutantes
Algo curioso que observo atualmente é a extensão dessas paragens geladas a outros territórios. Por exemplo, aos hábitos alimentares. Meu amigo me contou de uma festa que tinha cupcakes de whey. Na padaria, a paçoquita já vem bombada no rótulo, um amendoim com perfil de Arnold Schwarzenegger. No cinema, descubro um curioso tipo de M&M com WheyProtein no balcão da pipoca. Soro de leite em todos os lugares. Na loja de conveniência, achocolatados proteicos para adultos com uma vaquinha de óculos escuros no rótulo, numa inversão psicanalítica sobre o amor aos animais. Meu predileto mesmo é a creatina “diabo verde”, seria uma alusão ambígua àquele potente desentupidor de pias e privadas? Só não é mais maravilhoso do que alguns nomes de operação da Polícia Federal.
Reclamo, mas gosto
Não gosto dessas guloseimas, aliás, meu corpo anda cada vez mais intolerante à lactose. Mas do exercício em si gosto. Entre os cheiros de borracha e metal, penso na morte da bezerra. Penso se quando voo de avião fico mais perto do cachorro que morreu. Penso que me sinto Moisés abrindo o Mar Vermelho quando atravesso a avenida em Brasília e todos os carros param em respeito a pedestre com sua arquitetura de asas. Penso no desejo. Penso na impermanência da vida.
Para terminar, faço uns alongamentos, quando a dor nas costas da rotina de sentar ao computador surge. Sempre com dor, meu ganho são as palavras.
No final, encho a garrafinha de água. Faço uma selfie, com os dedos em “v”.
O de hoje está pago.
Novidade: A vida e a corrida
👟 Newsletter para entusiastas de corridas de rua
Meu desejo cometeu um ato bastante discutível: criei a corrida.substack.com.
Com estreia em 1o de dezembro, será uma newsletter voltada para quem já corre ou gostaria de começar. No conteúdo, crônicas, depoimentos, entrevistas, comentários sobre percursos, provas, resenhas de livros e uma boa seleção de links.
Ficaria feliz se você desse um voto de confiança assinando!
Newsletterverso
Aqui tem rock, animais e saúde! A Cassimila e a Sarah conversam sobre a busca por nutricionistas em dietas sem carne para esportistas, sobre rock e cafés da manhã.
Quando a yoga não é namastê. “Se o que te oferecem para bem estar for uma solução rápida e fácil demais, corre que é cilada. Saúde não se resolve com clickbait”, edição da Tempo para você, da Gabi Albuquerque.
As férias que você merece #2: das roupas de ginástica, a Marina Barreto discorre como fazer ginástica sem roupas de ginástica.
🐙 Filamentos!
Olá, meu polvo! Se você gosta desta newsletter, não deixe de apoiar o Filamentos :)
São conversas sobre literatura e ecologia em parceria com a editora Bandeirola, uma forma de divulgar meus achados de pesquisa de pós-doutorado sobre literatura e mudança climática, que realizo no departamento de Teoria Literária da FFLCH-USP.
Nosso próximo encontro será bem maravilhoso, com convidado especial:
24 de setembro, domingo
On-line, 11h
Obras comentadas: Autobiografia de um polvo, de Vinciane Despret (Bazar do Tempo); e Outras Mentes, de Peter Godfrey-Smith (Todavia)
Convidado especial: Bruno Matangrano, crítico literário
Convites presenciais
📕 Clube de Leitura no Sesc Carmo: “O conto da Aia”
No clube de leitura mensal no Sesc Carmo, vamos conversar sobre O conto da Aia, de Margaret Atwood. Foi meu objeto de estudo no doutorado e as discussões são muito boas por lá.
Clube de Leitura do Sesc Carmo. Segunda, 18/9, das 18h às 19h30, Biblioteca da Unidade. Não é necessária inscrição prévia ou ter lido o livro antes. R. do Carmo, 147, Sé, São Paulo (SP). Gratuito. A Biblioteca possui exemplares do livro para empréstimo.
🌿 Virada Sustentável: A força da literatura para enfrentar a crise climática
Estarei com a escritora Gisele Mirabai e a oceanógrafa Adriana Lippi para conversarmos sobre o papel da literatura na crise atual durante a Virada Sustentável.
22/9, Sexta, às 18h30. UNIBES Cultural. R. Oscar Freire, 2500. Ao lado do metrô Sumaré. São Paulo (SP). Gratuito.
Muito obrigada!
❤️ Agradeço muito a leitura, nada acontece sem você do outro lado.
❤️ Se gostou da edição e puder enviar para pessoas legais, ficarei feliz.
❤️ Pode contar casos de academia nos comentários também, vou adorar ler!
Para hoje e todos os dias de 2023:
todo poder à alegria, ao desejo e à imaginação!
me identifiquei muito! a primeira vez que fui em uma aula de spinning eu saí de lá com a certeza de que nunca mais voltaria. agora vou toda semana, por mim, porque a sensação no final de ter conseguido é ótima. no geral se exercitar é bastante difícil pra mim, a presença dos outros deixa pior.
Adorei e me identifiquei muito! Além disso, nada mais gostoso do que um sono endorfinado depois da aula de spinning. Sobre o suplemento, recomendo muito o da Rakkau, que é vegana e tem me ajudado a suprir a dose diária de proteína que me falta para virar fisioculturista.
Estarei lá na sexta que vem <3 Sempre uma alegria te ler!