📚 Autógrafos preciosos, encontros inesperados
Você já encontrou seu herói ou heroína? O escritor chileno Leonardo Espinoza Benavides nos conta sobre seu encontro com Kim Stanley Robinson. Agenda de setembro e início de outubro.
Olá!
Você já encontrou seu ídolo, sua heroína?
O Leo já. Hoje trago o depoimento lindo do Leonardo Espinoza Benavides sobre seu encontro inesperado com Kim Stanley Robinson. Que emoção!
Fiz a tradução deste depoimento com muito carinho, especialmente para a Anacronista. O Leo é um escritor de ficção científica chileno e já estivemos juntos em muitos eventos on-line.
Quando recebi a notícia que a Hilda Hilst morreu, lembro de ter chorado muito no banheiro da firma. Nunca consegui a encontrar pessoalmente, fui tonta. Prometo que a história do Leo tem um final mais bonito.
Agradeço a leitura!
Estes pássaros, belos e incomuns
Um encontro inesperado com Kim Stanley Robinson
por Leonardo Espinoza Benavides *
Dois poemas sobre pássaros
Em breve, vai fazer seis meses desde o nosso encontro. Por qual motivo demorei tanto para escrever um texto simples como este, um comentário curto, um registro do momento, uma forma de lembrança e, acima de tudo, uma atestado de amizade?
Não sei ao certo, mas faz tempo que dois poemas estão rondando minha mente. Estive pensando em como escrever sem trair a sacralidade — pelo menos para mim — daquele encontro ao norte, muito ao norte (tão ao norte que se torna sul), de imediato sagrado e tão logo transformado a partir da enorme e esperançosa simplicidade humana, daquela manhã de domingo na companhia do escritor estadunidense Kim Stanley Robinson, figura emblemática da ficção científica literária.
Os dois poemas em questão, com aspectos da flora e do zoomorfismo, ilustram ou desculpam-se sobre o que já foi dito. São e foram, até que eu encerre este relato, um de Rubén Darío, O reino interior, com as seguintes linhas (em tradução livre):
e entre os ramos encantados, papemores
cujo canto extasiou de amor os bulbules.
(Papemor: ave rara; Bulbules: rouxinóis.)
E um poema de Charles Bukowski, O pássaro azul, do qual tiro os trechos (em tradução livre):
Um pássaro azul está em meu coração e
quer sair, mas eu sou bem duro com ele
(...)
Mas sou é muito esperto, só deixo ele sair
em alguma noite, quando todo mundo está a dormir
Por isso, acho que levei quase seis meses para escrever isso — a emoção é mais fácil do que a razão quando se trata de justificar determinado desejo. A vantagem é: você pode esquecer toda essa introdução e começar logo pelo que foi meu encontro inesperado com o próprio autor da premiada trilogia marciana.
Um casamento na Califórnia
Em minha mesa, tenho agora, à direita, uma foto do mestre Stanley (ou KSR?), acompanhado de várias outras autorias que compõem meu pequeno panteão de encorajamento e admiração. Na parede, um post-it está há meses, sem perder a cola, me lembrando de escrever sobre isso. À minha esquerda, o sinal que me deu a luz verde: um cartão de agradecimento agora de setembro, com uma mensagem escrita à mão pelos recém-casados Peter e Lauren — Peter é o meu “irmão gringo” (e embora meu amigo Andrés Corona vá se contorcer, não consigo lhe encontrar um título melhor! ), com quem morei durante um ano inteiro, há muitos anos, quando fiz intercâmbio na Virgínia, perto de Washington DC.
O casamento de Peter e Lauren foi a razão de eu ter ido a Davis, na Califórnia, uma cidade universitária (e também um “pueblo universitário” para indicar seu tamanho), bem perto de Sacramento, onde meu amigo estuda e leciona. O casamento dos dois, por si só, é outra lembrança particular que guardo em meu coração, e só o menciono agora para referência.
O encontro com KSR foi, de fato, absolutamente inesperado e não planejado. Quando estava ainda a caminho do aeroporto, uma ideia louca começou a brotar em minha cabeça com uma probabilidade de ocorrer tendendo a zero. Mas não zero. E isso bastava.
Engendrando o Plano K
O delírio mais brutal de jetlag que já senti na vida foi revigorante (tinha chegado a Santiago vindo de Tóquio e estava indo para a Califórnia, sem saber se o sol ainda se punha no oeste). Assim, tive as primeiras ideias sobre o que viria a ser o Plano K — o plano não tinha esse nome ainda e resolvi fazer uma homenagem ao Philip K. Dick, PKD, autor que também está no meu panteão e certamente no de Kim Stanley Robinson (a propósito, KSR defendeu tese de doutorado sobre PKD, se alguém se interessar).
Eu não tinha lido em algum lugar que Kim Stanley Robinson vivia em Davis? Estudando o mapa off-line no celular, calculava que Davis não era um lugar tão grande. Na minha cabeça, pensei, “puxa, bem que podia encontrá-lo por lá”.
O Arturo Sierra, um bom amigo e também escritor, deu risada e já me tirou um sarro, com aquele seu senso de humor: “Você vai esbarrar com o Presidente dos Estados Unidos também na rua?”.
Bom, não seria tão estranho trombar com uma comitiva presidencial, são coisas que às vezes acontecem (comigo/conosco). Estatísticas, não é isso?
Segui pensando nisso. Partindo numa sexta-feira, chegaria no sábado para o casamento e meu prazo final seria a segunda-feira de manhã, quando iria embora para São Francisco, uma outra história. O intervalo de tempo possível para o Plano K era de 48h. Suspeito, em retrospectiva, que para que o improvável aconteça, atos improváveis precisam ser invocados. Ou atitudes, talvez. De uma forma bem típica da ficção científica.
Perco o sinal, mas não a sorte
Assim que aterrissei para aproveitar a jornada do casamento de meu amigo Peter, no universo paralelo existencial, me perguntava e buscava pistas para o Plano K, vestígios tanto físicos quanto digitais. Preocupado em passar a camisa e depois de dar um nó duplo na gravata, embarquei na minha rota principal, mergulhando nas profundezas californianas em um ônibus de traslado, em direção a uma cidadezinha ainda menor que Davis — um lugar chamado Guinda, no condado de Yolo. É isso mesmo: Guinda, como Guindo, localidade do romance El que merodea en la lluvia (Quem me espreita na chuva, trad. livre), do escritor chileno Hugo Correa, e Yolo, como o meme “só se vive uma vez” (“you only live once”).
A questão é que eu estava sem sinal e havia encontrado um possível contato para o Plano K, obra da minha querida amiga Ana Rüsche, parte do nosso querido grupinho de escritores ligados pelo que quer que tenha sido a FutureCon 2021, pessoa a quem prometi este texto alguns dias depois e para quem sempre soube que, mesmo que demorasse seis meses ou mais, deveria escrevê-lo como um ato mínimo de gratidão, pois, como já se pode deduzir: o contato funcionou.
Antes de perder o sinal, escrevi uma mensagem simples e educada, “Dear Mr. Kim Stanley Robinson”, para o caso de isso dar certo, quem sabe a sorte não ajuda a organizar o caos, que também é o próprio tempo, “Meu nome é Leonardo Espinoza Benavides (ou só Leo, para simplificar)”, e ainda acrescentei, “e sou um autor chileno de ficção científica e médico”. Depois que terminei de escrever, me entreguei à tranquilidade americana…
Após uma abençoada combinação de ritos e licores, divagando sobre como tinha sido espetacular beber um uísque caseiro, trazido por um escocês que o mantinha em um frasco escondido em seu kilt, tomei banho e deitei na cama, de volta ao meu hotel. Então, abri o celular. Uma resposta… Meu deus, uma resposta!
Ah, Arturo, você não vai acreditar: um encontro inesperado nas primeiras horas do domingo! Ou seja, dentro de algumas horas, chegaria em uma horta comunitária, após ter recebido as instruções de GPS de KSR, para encontrar o próprio e passarmos algum tempo juntos.
Você pode imaginar a emoção, não pode?
Todos nós que lemos e estudamos os livros de Kim Stanley Robinson talvez teríamos a tendência de suspeitar sobre uma possível confusão em nossas mentes, em nossos cérebros, se algo da magnitude desse Plano K viesse a dar certo, não é mesmo? Bem, foi real.
A cidade de Davis não era tão grande assim, ou minha sorte é que era. Em minha defesa digo que não sou um cara do improviso, só não conheço outra alternativa quando o desejo é sincero — nessas ocasiões, tende a superar aquele zero que mencionei antes, aquele da probabilidade zero. É claro que é aí que começa a genialidade de Stan, como pessoa, escritor e ser humano.
Uma foto de KSR nos aparelhos de TV chilenos
Dormi as horas restantes como alguém que apressa o sono. Na manhã seguinte, tomei algumas xícaras de café e, com jeans e camiseta, estava pronto para ajudar na colheita da horta comunitária, indo para aquelas ruas onde os números se perderam e a cidade de Davis de minha imaginação se concretizada.
Levei uma mochila (já conto o que havia dentro dela) e procurei manter minha ingenuidade intacta — embora tenha conhecido outras grandes pessoas na vida, KSR era realmente um dos meus heróis (e não estou exagerando!).
Só para exemplificar, uma vez, nos meus primeiros dias de universidade, há uma década e meia, lembro-me de ter cruzado com um desses típicos repórteres que andam pelas ruas fazendo perguntas aos transeuntes. Na ocasião, o repórter me perguntou sobre alguma referência minha, naquele estilo fugaz de perguntas na calçada. Assim, hoje deve ainda existir em algum lugar um fragmento de vídeo televisionado em que respondo: “Kim Stanley Robinson”, e uma foto de KSR apareceu no canto dos aparelhos de TV chilenos.
Entretanto, enquanto me deslocava por Davis, na minha cabeça trovejou um adágio retumbante: “Nunca conheça seus heróis”.
Com o sol em meu rosto
Essa voz não durou muito: a medicina me ensinou uma ou duas coisas sobre o espírito humano e há palpites que superam qualquer ditado popular. Certas conexões. A curiosa mística do fandom de ficção científica.
Com o sol em meu rosto, eu o vi à distância. Anos no presente. Lá estava ele e eu não conseguia acreditar. Cumprimentei-o feliz e pleno, como se a miragem por si só fosse suficiente para mim.
Compartilhar é um ato reservado, algo que valorizo e guardo comigo. Assim, posso apenas testemunhar que Stan é, de fato, quem lemos, quem vislumbramos em seu trabalho: aquele homem curioso, inteligente, apaixonado e sonhador, um amante da terra e de suas plantas, de seu passado e de seu futuro.
Conversamos sobre tudo, desde livros do passado até a política atual. Não houve preocupações desnecessárias sobre etiqueta: cada um sentado em um tronco, de jeans e camiseta, cercados por hortaliças de um clima não muito diferente do meu país (uma boa conversa sobre vinhos aqui e ali). Ouso dizer que sou mais simples no cotidiano do que na maneira como escrevo, ficção ou não — a prosa meio poética é inevitável e parei de lutar contra isso há muito tempo; nós nos aceitamos e nos defendemos. Lembro-me de toda aquela manhã como calorosa e serena, terrenamente maravilhosa. Tantos detalhezinhos que guardo na memória!
Sobre esses detalhes, devo-me manter fiel ao primeiro parágrafo: a essa hora da noite, eu me permito escrever com meu pássaro azul, às vezes, um papemor; às vezes, um bulbul... Embora agora esteja ficando tarde, são quase 2h da manhã e eu preciso terminar essa história, querida Ana, eu sei, e obrigado pela chispa. E obrigado, o que mais posso dizer?, a todos esses fios vibrantes que forjam os caminhos que tomamos nesta vida. Em um domingo, encontrei Stan pela primeira vez, ao vivo, e tenho a sensação de que nos cruzaremos novamente…
A veracidade de minha história
Minha mochila! Sim, aqui eu peço uma cota extra de confiança na veracidade da minha história. Como já enfatizei, o encontro e o Plano K foram completamente coincidentes, o que não significa que eu não tenha colocado minha alma em seu destino, uma vez que o plano foi concebido em pleno voo, a dez mil metros acima do solo. Mas certamente há coincidências que nos fazem questionar, com um meio sorriso no rosto, as supostas regras do acaso universal.
Antes de deixar Santiago rumo ao Golden State, como sempre faço antes de viajar, decidi escolher um livro ou dois livros, para me acompanhar na viagem. Andrés Olave, outro bom amigo e escritor, insistiu em William T. Vollmann (já eu que visitaria o bairro de Tenderloin, em São Francisco) e eu quase acabei me convencendo a levar um PKD, um clássico californiano por adoção, é claro.
No entanto, eu havia recebido recentemente pelo correio a nova publicação da Tor, o livro The Three Californias Trilogy (trilogia das Três Californias, trad. livre), de KSR, as três narrativas reunidas em um volume único e precioso.
Juro pela alma de minha mãe que não minto: quando escolhi o livro e o coloquei em minha mochila, nem passou pela minha cabeça a mais remota possibilidade de encontrar seu autor. Agora, está comigo, seis meses depois, esse mesmo livro autografado, com dedicatória. A história de como coloquei esse livro e nenhuma caneta na minha mochila, no entanto, vai ficar para outra ocasião ou para quem me encontrar pessoalmente, algum dia em minha própria horta comunitária, real ou imaginária.
Santiago do Chile
Setembro de 2023
* Leonardo Espinoza Benavides, ou somente Leo, é médico, escritor e editor chileno, especializado em ficção científica. Dermatologista, possui estudos em psicodermatologia e imunologia. Como escritor, publicou Más espacio del que soñamos (2018), o premiado Adiós, Loxonauta (2020) e o recente Nomadismos del tiempo trifráctico (2022). Atualmente, é diretor da Associação Chilena de Ficção Científica e Fantástica (ALCIFF), é membro Science Fiction & Fantasy Writers of America (SFWA), além de organizador da convenção internacional FUTURE-CON. Vive em Santiago do Chile.
Leia mais sobre o Leonardo Espinoza Benavides
Canal no YouTube: Ficção científica chilena
Agradeço ao Leo este presente! Também agradeço ao Bruno Matangrano e ao Thiago Ambrósio Lage pela leitura da tradução (todos os erros são meus mesmo, rs).
Agenda
HOJE | São Paulo, 22/9 | Literatura na Virada Sustentável
Participarei hoje da Virada Sustentável falando sobre literatura com duas pesquisadoras excelentes: a oceanógrafa Adriana Lippi e a escritora Gisele Mirabai. Venha me dar um abraço! A força da literatura para enfrentar a crise climática, 22 de setembro, sexta-feira, 18h30. Unibes Cultural. Rua Oscar Freire, 2500, metrô Sumaré, São Paulo (SP), gratuito.
On-line, 24/9 | Filamentos em polvorosa!
O Filamentos, conversas sobre literatura e ecologia em parceria com a editora Bandeirola, terá os polvos no centro da próxima discussão on-line. Encontro do Filamentos, 24 de setembro, domingo. Obras: Autobiografia de um polvo, de Vinciane Despret (trad. Milena P. Duchiade, Bazar do Tempo); e Outras Mentes, de Peter Godfrey-Smith (trad. Paulo Geiger, Todavia). Convidado: Bruno Matangrano, crítico literário. Apoie o Filamentos aqui!
São Paulo, 4/10 | “O homem da areia” na Livraria da Tarde
Leituras Extraordinárias, que mantenho com a Paula Carvalho, vai trazer a discussão sobre o fundamental “O homem da areia”, de ETA Hoffmann (trad. de José Feres Sabino e Marcella Marino M. Silva, Ubu). Nosso convidado especial será George Amaral. Vai ser lindo! 4 de outubro, quarta, às 19h, na Livraria da Tarde. Rua Cônego Eugênio Leite, 956, Pinheiros. São Paulo (SP). Gratuito.
Porto Alegre, 7 e 8/10 | Odisseia de Literatura Fantástica
Estarei na Odisseia de Literatura Fantástica, o melhor festival brasileiro sobre fantasia, ficção científica e horror. Participarei da mesa sobre as antologias Mundos Paralelos, da editora Globo, organizei o volume de ficção científica e o Oscar Nestarez, de horror. Odisseia, 7 de outubro, sábado, 18h, mesa “Entre arrepios e futuros: Mundos Paralelos e a criação do fantástico para jovens”, com Alexey Dodsworth, Ana Rüsche, Nathália Xavier Thomaz e Oscar Nestarez. Biblioteca do Estado do Rio Grande do Sul, Centro, Porto Alegre (RS), gratuito.
São Paulo, 30/10 | Sesc Carmo: “A parábola do semeador”
O livro da vez será A parábola do semeador, de Octavia Butler, uma impactante distopia dos anos de 1990 (trad. Carolina Caires Coelho, Morro Branco). Venha! Sempre é muito gostoso. Clube de Leitura do Sesc Carmo. Segunda, 30/10, das 18h às 19h30, Biblioteca da Unidade, 2o andar. Não é necessária inscrição prévia ou ter lido o livro antes. Rua do Carmo, 147, metrô Sé, São Paulo (SP), gratuito.
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Muito obrigada!
Tudo isso só é possível, pois você me lê do outro lado.
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Que lindo esse relato. Fui lendo e pensando aqui nos encontros que tive. Talvez não heróis ou conta ter ficado uma hora sentada (literalmente) aos pés da Patti Smith enquanto ela lia trechos de seus livros, contava história e cantava sem qualquer instrumento musical acompanhando? E a Peaches, que fiz a cara de pau, me apresentei, bati um papo e tirei uma foto juntas? Duas mulheres incríveis que me inspiram muito. Coincidentemente tenho um rascunho há muito tempo parado na Espiral em que o título é “uma carta para as minhas heroínas”. Amei a inspiração em voltar nelas após ter lido esse texto. Obrigada pela tradução. ❤️😘
Eu não tenho uma boa história. Mas meu amigão Matheus Borges tem uma bem incrível, com Paul Auster.