Tempo de impaciência 📚
Você é paciente? Descobri que minto ao responder essa pergunta. Escrever e enganar-se. Clichês sobre artistas.
Olá!
Agradeço a sua leitura! Muito bom te receber aqui.
Você é paciente? Descobri que, entre paciente e impaciente, sou é mentirosa. Hoje nosso grande tema é a paciência em tempos corridos, aliás, a falta dela, em especial na área da criação.
Nesta edição, separei ainda dicas de dois bons livros com fotos caprichadas; comentarei dois lançamentos meus recentes; e a pedido, deixarei duas indicações de podcasts sobre Duna.
Agradeço especialmente a quem apoia este projeto 🧡
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No dia 14 de maio, teremos mais um Encontrinho da Anacronista. É uma conversa ao vivo via Zoom. A última foi muito gostosa. Se interessar, inscreva-se aqui.
Procrastinemos com classe.
Com carinho,
Ana Rüsche
Tempo de impaciência: o outro lado da página
Um deslize involuntário
Você é paciente? Essa foi uma pergunta que uma mulher bonita me lançou, com cílios longos, durante um jantar.
Apesar das taças de vinho e nossa pouca familiaridade com números, estávamos as duas escarafunchando a numerologia da minha vida a partir da data de meu aniversário. Ao final, não muito certas da matemática, essa mulher de olhos profundos me trouxe a seguinte questão:
— Você é paciente?
Na hora, um pouco alegre, estava convicta que sim:
— Claro, dou aulas.
Sóbria, no dia seguinte, decidi que não errei. Dar aulas é exercer, de forma muito profunda, a arte da paciência. Cada pessoa possui seu tempo próprio de aprendizado. Habilidades diferentes pedem um ritmo diferente. Assim, respeitar esses respiros faz parte da mágica da sala de aula.
Entretanto, algumas semanas depois, percebi uma omissão escondida na minha resposta ao oráculo. Afinal, é claro que sou impaciente! Havia algo desagradável e oculto na minha pressa inicial em responder.
Artistas são naturalmente impacientes.
Clichês sobre artistas
A criatividade é filha da urgência com a paixão. Qual a representação clichê mais comum de artistas? Pessoas com pontas soltas, como se um vento da pressa em busca da beleza, da sabedoria e do espanto tivesse trespassado aqueles corpos — uma camisa desalinhada, uma cabeleira descabelada ou um braço de gestos amplos e por aí vai. Se escrever então, haverá folhas largadas pelo chão.
Bom, os clichês existem, pois funcionam. E na vida real, é difícil aguentar essa toada sanguínea da urgência com a paixão sem uma boa dose de técnica. Talvez a técnica seja necessária justamente para frear a impaciência? Para darmos tempo à obra ser feita, rascunhada, caprichada, marinada e finalizada com a necessária calma?
A parte mais terrível disso tudo, de criar uma técnica capaz de suportar a própria impaciência, é o depois.
Na literatura, assim como no cinema, há uma demora imensa entre a produção da obra e a publicação. Isso exige um grau de paciência talvez até difícil de explicar para as outras pessoas. Um livro, que você escreve agora, pode ver a luz somente daqui a um ou dois anos. Em alguns casos, três ou quatro. Não é um luxo da literatura, qualquer artigo científico demora mais de seis ou nove meses para ser publicado, não é? Afinal, há outras pessoas que entram no processo e precisamos conceder o necessário tempo para que tudo se alinhe com delicadeza.
A mentira do esquecimento seletivo
Toda essa demora, entre o ponto final e a publicação, faz com que a gente desenvolva técnicas estranhas. Quando eu começo a digitar neste papel de luz, preciso garantir a impaciência necessária para mover meus dedos — a urgência de tocar em alguns temas e a paixão para levar a cabo aquilo. Ao mesmo tempo, preciso exercitar a técnica dedicada para realizar tudo com calma, não apressar processos, de rever tudo com cuidado. Até a entrega.
Depois de enviado o texto, vem a parte drástica: preciso me enganar constantemente para esquecer o que fiz, pois aguardar a publicação acontecer é uma arte. Há algumas mais simples, geralmente as encomendas — alguma editora ou jornal pede para você escrever algo, confiando no teu texto (uma loucura, certo?). Há outras mais duras, as participações em concursos ou submissões para revistas (vai saber o que querem). A única certeza é que, nesse mundo das artes, há os mais diferentes tipos de rejeição e tal da impaciência não ajuda em nada.
Assim, procuro praticar a mentira do esquecimento seletivo. Quando finjo que esqueço, consigo lidar melhor com a imensa espera. Embora a minha impaciência natural faça com que a pergunta fique pulsando ali dentro: vai dar certo?
A parte interessante é que todo esse processo leva a próxima criação, veja só: depois de me desgarrar, esquecer aquilo tudo, preciso deixar o curso das coisas seguir em frente, aguardar o desaparecimento do texto vivo.
Assim, retorno novamente à página branca. Ao início de tudo.
Até que a impaciência se acenda para criar muitas coisas. Uma vez mais.
Dicas de leitura
Separei dois livros para indicar: são obras que gostei muito de ler e resolvi adotar em projetos especiais. Também comento dois lançamentos meus recentes.
📚 O decênio decisivo
O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência, de Luiz Marques (Elefante) foi a obra escolhida para o encontro de maio do Filamentos. Uma obra excelente da produção recente brasileira.
Sinopse da editora: "O decênio decisivo reúne, com grande rigor científico, uma quantidade imensa de dados que estão na fronteira do conhecimento acerca dos impactos das mudanças climáticas sobre a vida na Terra, apontando o futuro excruciante que virá caso não rompamos com os pilares do capitalismo contemporâneo, e elencando as possibilidades de ação imediata para evitar que a catástrofe seja ainda maior. Da leitura, depreende-se que o momento presente é o mais crucial de nossa história como espécie, pois é agora que decidiremos, coletivamente, as chances de sobrevivência do projeto humano."
No encontro on-line do Filamentos, atividade para conversar sobre literatura e ecologia, vamos comentar o livro da Introdução ao meio da parte I, ou seja, das páginas 1 a 112. Também comentaremos a noveleta Tufão, de Joseph Conrad (trad. Albino Poli Jr., LPM) a partir da análise de Malcom Ferdinand em Uma ecologia decolonial (trad. Letícia Mei, Ubu).
Algo bonito da avaliação semestral do projeto: as pessoas declaram que gostam do Filamentos para “participar de uma comunidade” e “se divertir”. Uma parte do meu coração pode dormir tranquila com essa apuração. O projeto tem curadoria minha em parceria com a editora Bandeirola.
Para participar do Filamentos, basta apoiar o projeto no Catarse.
📚 Exploração
Exploração, de Gabriela Wiener (trad. Sérgio Molina, Todavia) foi dos bons livros que li nesses tempos e queria que você se empolgasse comigo. Um ensaio primoroso de uma jornalista peruana que acerta suas contas com várias camadas de seu passado — do tataravô famoso por pilhar túmulos pré-colombianos ao pai recém-falecido. Passando por Paris, Barcelona e Lima, uma escrita franca e direta, de quem sabe que a vida pode ser muito maior.
Sinopse da editora: "O corpo que protagoniza Exploração é conflagrado por questões que remontam à história e se desdobram nos incertos movimentos do desejo e do afeto. Gabriela Wiener une jornalismo e ensaio para insurgir-se contra o jugo colonial de territórios, imaginário e tesão."
Esse foi o livro escolhido por Paula C. Carvalho e eu para o Leituras Extraordinárias de maio, atividade que acontece na Livraria da Tarde:
Venha nos dar um abraço e conversar sobre esse ensaio certeiro de uma escritora peruana que tem tanto a dizer. Se puder prestigiar e realizar a compra de seu exemplar na Livraria da Tarde, agradecemos!
27 de maio, segunda. Livraria da Tarde. Rua Cônego Eugênio Leite, 956, Pinheiros, São Paulo (SP). Grupo do WhatsApp: somente veiculamos datas e títulos dos encontro.
📚 Cardumes de borboletas: Quatro poetas do século XIX
Junto com a Lubi Prates, organizei a plaquete Cardumes de borboletas: Quatro poetas do século XIX, parte de um trabalho emocionante de recuperação de obras de nossas importantes poetas da História brasileira.
Nessa mostra, você pode ler poemas de Josephina Álvares de Azevedo (1851- c. 1913), Narcisa Amália (1852-1924), Auta de Souza (1876-1901) e Gilka Machado (1893-1980). Saiba mais aqui no site da editora Fósforo
📚 Manual de sobrevivência na escrita
Para quem deseja ou precisa escrever romances, contos, artigos científicos, ensaios, dissertações, teses ou poesia. Um livro para quem precisa ou gostaria de escrever e precisa de um empurrãozinho ou de uma palavra gentil.
Nosso livro, lançado no começo do ano, está voando e ganhando vida na mão de tanta gente! Agradecemos todo carinho.
Lançamento na Martins Fontes Paulista
O George Amaral e eu vamos conversar sobre o livro e dar autógrafos no domingo, 26 de maio, na livraria Martins Fontes, a partir das 15h. Av. Paulista, 509, São Paulo (SP).
Manual de sobrevivência na escrita, de Ana Rüsche e George Amaral, ed. Bandeirola. Comprar no site da editora
Para escutar: Duna
Recebi uma mensagem muito gentil para que comentasse mais sobre o lançamento do segundo filme de Denis Villeneuve, já que fui lá no cine Belas Artes participar do Ciência no Cinema no mês passado — exibem o filme e convidam pessoas para fazerem um comentário.
Para agradecer e responder, deixo dois episódios caprichados de podcast:
#287 Perdidos na Estante: conversei esses dias com a Amanda sobre o segundo filme. Tratamos do hype e das outras adaptações. Produção de Domenica Mendes e edição de Leonardo (@leonardo2099 no ex-twitter).
#245 do Viracasacas: quando o primeiro filme foi lançado, conversei com o Eduardo Marks, Carapanã e Gabriel Divan.
Sobre esta edição
Se não fossem os apoios recebidos, certamente esta edição demoraria mais. Estava muito em dúvida sobre abordar a questão da impaciência em tempos tão corridos como os nossos. Mas fiquei bem feliz que mais gente deu seu voto de confiança ao projeto e aqui estamos, procrastinando com classe.
Muito obrigada!
Agradeço demais a sua leitura. É por isso que escrevo.
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à imaginação!
Créditos
Pesquisa e texto: Ana Rüsche
Revisão, padronização e publicação: Victória Haydée
Eu me considerava uma pessoa impaciente... até começar a trabalhar com crianças de 3-4 anos. É um exercício de paciência que te ensina a maneirar em outros momentos também. As vezes é sobre isso, né? Repetição e treino sempre faz milagres (e para isso também precisamos de paciência haha).
Obrigada!