Vocabulário náutico. Tão longe do mar, tão perto do céu
Aventuras náuticas de uma marinheira de nenhuma viagem. Verbos e substantivos novos. Motonautas e capivaras no Paranoá.
Olá!
Estou animada com esta edição, pois consegui finalmente reunir minhas notas a respeito de aprendizados do mundo náutico. Sente-se que lá vem a viagem :)
Agradeço a todas as pessoas que apoiam a newsletter! Se não fossem vocês, certamente não teria terminado o texto a tempo. Caso você se anime a apoiar também: https://apoia.se/anacronista.
E um recado para quem estiver em São Paulo, estarei n’A Feira do Livro:
Sábado, 29/6, amanhã, às 18h, na Bandeirola, tenda 28, conversando sobre Escrever, com George Amaral e Sandra Abrano
Domingo, 30/6, às 16h, no Tablado Literário 3, conversando sobre Literatura e Antropoceno, com Rodrigo Petronio e Tiago Novaes, pela Rua do Sabão
A feira ocorre na Praça Charles Miller, Pacaembu, entrada franca.
O próximo Encontrinho da Anacronista será na próxima terça, 2 de julho, às 18h30, via Zoom. O tema será Inteligência artificial: de experiências estranhas a ameaças reais — para participar, basta preencher o formulário (se você já preencheu, não precisa preencher novamente).
Agradeço a sua leitura! Nada disso seria possível sem você do outro lado.
Procrastinamos com classe.
Bons ventos,
Ana Rüsche
Tão perto do céu, tão longe do mar
Habitar outra cidade é procurar memórias de si mesma em outras cidades. Você habita um lugar desabitando um duplo na memória. Reparou? Cresci no litoral e arrasto uma saudade doída do mar na alma. Assim, ao estar em Brasília, a cidade com suas duas asas, a mil metros de altitude, encontrei a paisagem familiar: o corpo d’água imenso que é o Lago Paranoá. Tão longe do mar e tão perto do céu.
Com uma fauna diversa, sendo possível avistar gente pilotando lanchas, capivaras e, com sorte, um peixe pulando fora d’água, o Paranoá terminou sendo meu destino favorito em qualquer situação, dentro das possibilidades financeiras e geográficas. Procurando memórias antigas não existentes em mim, vivia observando capivaras e zanzando nas bordas, namorando o pôr-do-sol. Com o tempo, achei por bem me somar àquela população aquática.
Cresci numa casa com muitas cartas náuticas, revistas de barcos e manuais de vela. Mas nunca pilotei eu-mesma uma embarcação, fora uns caiaquezinhos. Com saudades do mar, decidi aprender a velejar. Muito atrapalhada, concluí agora pouco a primeira etapa da formação, até consigo transportar alguém de um lugar a outro do lago. Minha última ousadia foi decidir tirar o arrais-amador, a carteira de habilitação de embarcações com motor, algo que envolve aulas práticas e uma prova de conhecimentos, com uma parte significativa de vocabulário náutico. Enquanto esses lais de guia não se desatam, vim compartilhar com você algumas das aventuras da temporada.
No Planalto Central, aprendi coisas extraordinárias.
Motonautas estelares
Ao dirigir um jet-ski, você precisa acelerar para ter estabilidade, considerando que a propulsão é à jato d’água — igual a uma bicicleta, se vai devagar, bambeia. Também aprendi que um jet-ski não tem freio, para frear é preciso manobrar. É um dado chocante, pois confio ainda menos no povo de jet-ski naquele meu saudoso litoral. Descobri ainda as vantagens do jet-ski em salvamentos, bombeiros cruzam em minutos grandes extensões d’água a 120 km/h.
Último aprendizado foi a beleza — é lindo fazer manobras e levar a espuma arrepiada; num dia de sol é possível ver milhares de arco-íris ao nosso redor.
Morro de medo de velocidade. Assim, não foi simples fazer minha primeira e única aula de jet-ski com um instrutor, um bombeiro. A aceleração fica assustadora na água, talvez o cérebro finalmente decodifique o perigo de estarmos a 80 km/h, já que num carro boiamos na anestesia.
Em algum momento da aula, admiti a total falta de inclinação àquela modalidade náutica, berrando sobre o barulho infernal um “tou com medo”. Ir de uma ponta a outra do lago em minutos foi aterrador. Entretanto, para algumas coisas da vida, não se tem muito jeito. Principalmente quando o bombeiro instrutor, que fazia aquelas manobras várias vezes ao dia, pediu, “acelera até o final”.
Nessas horas, tudo para. É respirar pelo umbigo, silenciar o ruído de dentro e decidir a manopla até o fim. Depois, ganhar estabilidade e confiar no processo. Até ver o arco-íris.
Vocabulário náutico
Quem não ama uma aventura de pirata? Tudo que aprendi é que os livros de aventura são terríveis no vocabulário náutico usado por marinhas ao redor do planeta. O maior choque terminológico certamente foi descobrir que não se usa “estibordo” no Brasil: é “boreste”. Isso mesmo, é “bombordo” (esquerda da embarcação) e “boreste” (direita).
Terminado meu curso de vela de iniciante, seguem notas dessa nova e antiga língua náutica.
Jamais usar “corda”, ou pior, “cordinha”, é uma espécie de xingamento. É “cabo” e pronto.
A cor “vermelho” é “encarnado” (bonito, hein?)
Verbos novos: arribar, cambar, jaibar (designam manobras)
Verbo semi-novo: adernar e panejar
Verbos velhos com sentidos novos: orçar, caçar, morder — usos: orçar o barco, caçar a vela, morder o cabo.
Substantivos novos: alheta, bolina, escota, garlindéu
Substantivos velhos novos: amarração, burro, retranca
Pronome substantivado: nós
De tudo isso, só tenho mais respeito por quem navega a sério (a exemplo da escritora e viajante Tamara Klink, que orgulho alheio!). Agora, fico cansada só de imaginar como lidar com aqueles barcos de piratas, cheios de velas.
—
Na próxima edição: sendo marinheira de nenhuma viagem, o tema vai ser ainda velejar, as pirações de Philip K. Dick, a Lagoa Santa em Minas Gerais, o silêncio e a falta de controle.
Juro que amarro tudo num nó daqueles bem chiques, que só sei fazer na página. Com os cabos do mundo real, ainda é só desgraça.
Notícias boas
📚 O “Ferozes melancolias”, meu novo livro, virá ao mundo em agosto.
São ensaios sobre a viagem, o amor e a escrita. O livro já tem prefácio e orelha. Logo ganha a capa, o papel e o mundo. Sairá pela Rua do Sabão. Estou muito feliz e compartilharei os detalhes da produção por aqui.
📚 Assinei contrato e já recebi metade do adiantamento da publicação do meu novo romance! Será publicado no ano que vem. Como parte da narrativa se passa em 1985 e tem como pano de fundo o período final de vida do Figueiredo, vai ser excelente sair em 2025.
🍀 Sorteio: Depois do fim
O livro a ser sorteado entre apoiadores da newsletter em julho é Depois do fim: conversas sobre Literatura e Antropoceno. Com organização da Fabiane Secches, conta com ensaios de Ana Rüsche, Aurora Bernardini, Christian Dunker, Daniel Munduruku, Fabiane Secches, Giovana Madalosso, Itamar Vieira Junior, Maria Ester Maciel, Micheliny Verunschk, Natalia Timerman, Paula Carvalho, Paulo Scott e Tulio Custódio.
Para concorrer, basta apoiar a Anacronista no ApoiaSe. O sorteio será feito durante o Encontrinho da Anacronista, em 2/7.
🌿 Festival Filamentos: livros sobre crise climática?
No dia 13 de julho, acontece o Festival Filamentos, nossa quarta edição: como o mundo dos livros conversa com a ecologia?
Na primeira mesa, O Antropoceno narrado para crianças e jovens, vamos refletir sobre como falar a respeito da crise ecológica para as novas gerações. Participam Alice Stock, escritora e tradutora; Maria Carolina Casati, pesquisadora e idealizadora do canal Encruzilinhas; e Mariana Brecht, roteirista, escritora e designer de narrativas de jogo.
Na segunda, O Antropoceno no mundo dos livros, o tema é pensar a ecologia a partir da perspectiva editorial. Participam Eduardo Socha, da editora Quina; e Sandra Abrano, da editora Bandeirola, com minha mediação.
A participação é gratuita e aberta.
Inscrições via Sympla.
Filamentos: livros do segundo semestre
Já está no ar a lista de leituras do Filamentos no segundo semestre!
Para participar, basta apoiar o projeto no Catarse.
Sobre esta edição
Para produzir esta newsletter foram necessários 4 meses de navegação, incluindo virar o barco; 3 horas de contemplação; 2 xícaras de café expresso e uma mexerica, além de 6 horas de redação (mas já garanti o rascunho da próxima edição).
Com os apoios recebidos, consegui encontrar um tempo na agenda para respirar e reunir notas. E ainda oferecer um Encontrinho da Anacronista, do qual fermentei muitas ideias.
Quem apoia, em algumas faixas, além das atualizações e sorteios, também recebe notícias dos bastidores da newsletter. Fora garantir que a newsletter seja enviada sem paywall, aberta a todas as pessoas.
Considere também apoiar esse trabalho! 🧡
Muito obrigada!
Agradeço demais a sua leitura. Nesse mês de junho corrido, entre o excesso de bolo de milho, paçoca e quentão, não foi simples me esquivar dos prazos e abrir espaço com os dois cotovelos na agenda para este precioso exercício no teclado.
Se gostou da edição:
🧡 Deixe um comentário!
🧡 Se anime para apoiar a Anacronista e fortalecer este trabalho: https://apoia.se/anacronista
🧡 Encaminhe a edição para pessoas legais! Vale postar stories do Instagram, repassar o email, restacar no app do Substack, enviar por WhatsApp e o que mais achar útil.
Importante: se você estiver lendo este texto no app do Substack, confira se assinou a newsletter. Não vamos ficar na mão do algoritmo.
Canais
Telegram: https://t.me/criatividade
WhatsApp: link
Instagram: @anarusche
Em 2024 e em todos os dias,
todo poder à alegria,
ao desejo e
à imaginação!
Que aventura atravessar o Paranoá contigo!
Fiquei pensativo sobre essa busca de nossos elementos de origem em novos lugares… Como bom mineiro, meu elemento são as montanhas e aqui em Palmas, uma cidade absurdamente plana, sempre me traz conforto observar a serra no horizonte.
que lindeza essa edição!
eu to louca para usar 'encarnado' ao invés de vermelhoe em alguma poesia - vai vendo.
amo tanto vc e seu jeitinho de viver o mundo.
continue essa pessoa curiosa e sensível, ana.
besos