đ Pessoas lindas em todas as partes
Como foi participar do SalĂŁo do Livro de Turim. Uma frase que aprendi no Chile. Convites e agenda de junho.
OlĂĄ!
Digitada por dias no bloco de notas do celular no trem, no avião e no sofå, trago uma edição nova com frase que aprendi no Chile e também conto como foi participar do Salão do Livro de Turim.
Na agenda de junho, indico atividades on-line e encontros presenciais na cidade de SĂŁo Paulo.
Agradeço muito a leitura!
Nada teria sentido sem vocĂȘ do outro lado da tela.
Uma frase chilena
Devia ser 2017, um dia estava frio e ventoso em Santiago do Chile. Vinda de uma visita ao Museu da Memória e dos Direitos Humanos, acabava de chegar a um espaço comunitårio autogerido, num bairro afastado do centro da cidade, um terreno limpo com algumas cadeiras para conversas, espaço para crianças e uma cozinha improvisada.
Enquanto esperava o amigo que encontraria ali, coloquei minha bolsa num banco e comecei a bater papo com uma garota. Falåvamos sobre impressÔes a respeito do Museu, cuja ideia central é tratar das violaçÔes de Direitos Humanos durante a ditadura de Pinochet.
Pergunta vai, pergunta vem, perguntei, com a testa franzida, "quem era VĂctor Jara?", um nome onipresente nos painĂ©is.
"Um cantautor", me explicou a garota, acrescentando um pouco do conceito, seria quem compĂ”e e canta, uma arte musical que tambĂ©m estaria relacionada a manifestaçÔes polĂticas.
Sem fazer rodeios, de uma vez sĂł, ela me contou entĂŁo o que fizeram a Jara.
O mĂȘs era setembro de 1973. Os militares encerraram pessoas em diferentes pontos da capital, a exemplo do EstĂĄdio Nacional e do EstĂĄdio Chile (o Ășltimo hoje denomina-se "EstĂĄdio VĂctor Jara"). A Cruz Vermelha estima que, num Ășnico dia, passaram sete mil pessoas sĂł pelo EstĂĄdio Nacional. Pessoas foram torturadas ou ainda mortas, dia apĂłs dia, naquelas arenas.
Isso tudo eu havia compreendido nas exposiçÔes do Museu. Mas sobre o destino de VĂctor Jara, quem me contou foi a garota de olhos grandes e claros:Â
â Esmagaram suas duas mĂŁos.
Depois sugeriu, provavelmente para que nĂŁo pudesse mais tocar. Terminou assassinado.
Com o vento, meus olhos se encheram de lĂĄgrimas. Muito tempo depois, eu iria escrever um artigo sobre como Margaret Atwood usaria esse fato histĂłrico no seu livro Os testamentos (2019).
Ficamos em silĂȘncio. Ao nosso redor, uma horta comunitĂĄria com flores.
Mudando de assunto, a garota contou que sabia quem eu era, meu amigo havia comentado antes, âvocĂȘ veio do Brasil?â. Assenti.
A garota achou engraçado e então disse:
â Que bom que existem pessoas lindas em todas as partes!
Dei uma risada, nunca sei reagir a elogios. AliĂĄs, seria um elogio? Afinal de contas, a "pessoa linda" era minha interlocutora.
A frase me marcou. Apesar de tudo, dos passados horrendos e das crueldades vigentes, pelo caminho, sempre encontramos quem se importe com a resistĂȘncia presente em algumas histĂłrias. O que faz diferença. E as queira diferentes num futuro, num agora. Justamente como aquela garota, que me explicou tanto sobre a histĂłria sul-americana em tĂŁo poucas palavras. Nem sei o nome dela ou fisionomia. Mas guardo suas palavras junto ao passaporte.
As pessoas lindas. Em caso de dĂșvida no caminho, sempre respiro e torço para que apareçam. Nunca falha. Deixo para vocĂȘ a frase, caso precise um dia.
Mundo passageiro
Ă maio de 2023, saio de Roma para ir a Turim, onde haverĂĄ o SalĂŁo Internacional do Livro. Meu segundo dia na ItĂĄlia, onde consigo entender o idioma das pessoas, mas nĂŁo as responder. O inglĂȘs volta a ser uma moeda vigente.
Meu editor local mandou a mensagem: "muitas viagens de trem foram canceladas pela chuva, saia mais cedo". Como em São Paulo, a CPTM vive parando por conta de temporais, achei que ocorria o mesmo, no deslocamento de Roma até Turim.
Assim, me apressei para chegar com larga antecedĂȘncia. Na estação central, o caos imperava nos painĂ©is, a maioria das linhas piscando um "cancelado", as gentes se amontoando e xingando em diferentes idiomas. Sobre meu trem, nem uma linha.
Usei o velho mantra "se um problema não tem solução, solucionado estå" e fui gastar meus parcos euros num café expresso amargo demais.
Com as horas, a multidĂŁo diluĂa-se, as filas imensas de remarcação de passagens melhoraram e, mesmo que eu estivesse na classe "supereconomica", finalmente despontou o nĂșmero nĂtido da plataforma. Viagem confirmada.
Embarquei. Finalmente na wifi, pude ler a mensagem de meu pai, enviada do Brasil, e entender a magnitude do que me rodeava: chuvas torrenciais mataram pessoas e deixaram mais de 10 mil desabrigadas em EmĂlia-Romanha. Consumi inĂșmeros vĂdeos de salvamentos e outras notĂcias. Era uma tragĂ©dia.
Pela janela do trem, avistamos plantaçÔes e estradas alagadas. Minhas companhias de vagão balançando a cabeça, murmurando algo, limpando lågrimas.
Infelizmente, durante os prĂłximos dias, nĂŁo foi difĂcil falar sobre crise climĂĄtica e literatura, no estande da editora e em um bate-papo numa livraria, era muita gente com famĂlias afetadas pela catĂĄstrofe.
Fiz essa foto de uma plantação, nĂŁo estĂĄ boa, mas Ă© possĂvel vislumbrar a desolação.
Pessoas lindas, o SalĂŁo de Turim
O SalĂŁo Internacional do Livro em Turim Ă© uma feira imensa europeia, embora seja voltado ao mercado italiano. Quatro pavilhĂ”es e nĂŁo sei quantos eventos simultĂąneos. O estande da editora, a FutureFiction, era grande e vistoso, de onde eu soltava a isca do "ciao" e puxava papo em inglĂȘs. Muita gente veio conhecer o livro.
Foram quatro dias incessantes de chuva fria. Minha bota brasileira terminou rachando no meio, despreparada para o cenĂĄrio, e bolhas no mindinho e no calcanhar surgiram com as meias Ășmidas. O look foi jogar todos os casacos em cima ao mesmo tempo, finalizado pelo pobre guarda-chuva vermelho emprestado. Mas nada me faltou. As pessoas lindas desse mundo estiveram comigo. Afinal, estĂŁo em todas as partes.
Minhas companheiras italianas de estande e de hospedagem tinham o sol adentro, meu editor sempre ali, falando animado sobre as publicaçÔes. Autografei muitos livros, vendemos todos os exemplares de Telempatia trazidos. Como a FutureFiction trabalha com quadrinhos e publicaçÔes em outros idiomas, havia quem ilustrasse ao vivo e a visita de tradutores e escritores da China, Estados Unidos e França, o que proporcionou milhĂ”es de conversas gastronĂŽmicas â no, nĂŁo pode colocar abacaxi na pizza! Fizemos ainda um evento numa livraria acolhedora, enfim, aqueles dias cheios de encontros quentinhos que as feiras de livro nos proporcionam.
O SalĂŁo de Turim merece a fama. Ă imenso, muito bem organizado. Escapei praticamente ilesa de gastar com livros, pois a maioria era em italiano. Me emocionei muito ao ver Ailton Krenak e Conceição Evaristo em ediçÔes locais. Trouxe comigo um livro de poesia finalista do PrĂȘmio Strega, para treinar tradução: Lâamore da vecchia, de Vivian Lamarque. HĂĄ alguns "poemas ferroviĂĄrios" curtos, me animei.
Como hĂĄ pessoas lindas em todas as partes, nĂŁo poderia deixar de agradecer uma especĂfica aqui do Brasil: a amiga poeta que insistiu para fosse Ă ItĂĄlia, mesmo corrida num meio de semestre, âvai, Ă© algo que vocĂȘ precisa viverâ.
Era verdade. Deixo um poema em agradecimento.
diante do mundo passageiro
de bota furada, o guarda-chuva sorri
corre a corredeira e suas flores forasteiras
molhado, o mundo inteiro calçado na mudança
Na Folha, o "Telepatia"
NĂŁo foi a foto nem do Coliseu, nem a do padre gato do calendĂĄrio, onipresente nas bancas de jornal romanas, que fizeram o sucesso no meu Instagram nos Ășltimos tempos:Â
Foi uma matĂ©ria do Reinaldo JosĂ© Lopes tratando do A telepatia sĂŁo os outros e do tema cientĂfico.
Sou leitora assĂdua das colunas de ciĂȘncia do Reinaldo e me deu uma felicidade imensa ler a matĂ©ria, apresentando o livro [link aqui].
Newsletterverso
A Surina estĂĄ no Caminho de Santiago e fala de dor na canela (mas nĂŁo de bolhas nos pĂ©s). Achei curioso que, entre experiĂȘncias tĂŁo distintas, o Caminho de Santiago e o SalĂŁo de Livro de Turim, possa existir alguma sintonia nos incĂŽmodos pedestres. #37. DiĂĄrios do Caminho, semana 2. "Vamos falar sobre Dor."
Comprei e preparei aspargos, por influĂȘncia da Lalai. Espiral #76: "Chegou a 'Spargelsaison'. A temporada favorita dos alemĂŁes, a do aspargo."
Ficção relĂąmpago na Derivativa, da Iana: Frestas #2, Longitude. "A cidadezinha no interior do estado Ă© uma das sobreviventes de tĂŁo devastadora guerra, que arrasou paĂses, comunidades e pessoas entre os anos de 1914 e 1918."
O Cadu Carvalho tem uma newsletter genial sobre tipografia. Nesta edição da Tipo Aquilo, responde algumas perguntas nossas. Interrobang #1, "Pares, legibilidade e mulheres na tipografia".
Agenda inspiradora de junho
On-line: curso voltado para ensaios
Na Casa Inventada, darei um curso voltado a escrever ensaios, com ĂȘnfase a peças para internet, em especial, newsletters. SerĂĄ on-line e ao vivo, com a possibilidade de assistir a gravação, com 4 encontros e carga horĂĄria de 8h. A turma nĂŁo serĂĄ grande, assim, conseguimos trabalhar de forma concentrada.
Se vocĂȘ se interessar pela proposta, complete o formulĂĄrio abaixo e avisarei quando abrirem as inscriçÔes, serĂĄ logo mais.Â
Dias 28 e 29 de junho e 5 e 6 de julho, Ă s 19h em BrasĂlia.
Link para inscriçÔes
On-line: Filamentos
No dia 24 de junho, vamos discutir a Ăłtima novela do Daniel Galera, "BugĂŽnia" (In O deus das avencas, ed. Companhia das Letras), assim como o incrĂvel O cogumelo no fim do mundo: Sobre a possibilidade de vida nas ruĂnas do capitalismo, de Anna Tsing, ed. n-1.
Para participar: catarse.me/filamentos2023
On-line: SĂĄbado de Escrita
O Såbado de Escrita é uma atividade mensal, gratuita, com inscriçÔes voluntårias.
PrĂłximo: 24 de junho, sĂĄbado, das 9h Ă s 10h30, on-line.
InscriçÔes via Sympla
Convites presenciais
Venha me dar um abraço!
Na Livraria da Tarde: Leituras extraordinĂĄrias
Nesta sexta, 2 de junho, a Paula Carvalho e eu teremos nosso encontro do Leituras ExtraordinĂĄrias.
O livro escolhido foi Eu, Tituba, bruxa negra de Salem, da Maryse Condé (ed. Rosa dos Tempos), com a presença da especialista Maria Carolina Casati. Venha, não precisa ter lido o livro antes.
Leituras extraordinĂĄrias. 2 de junho, sexta-feira, a partir das 19h. Livraria da Tarde. Rua CĂŽnego EugĂȘnio Leite, 956, Pinheiros, SĂŁo Paulo (SP).
N'A Feira do Livro
No sĂĄbado 10 de junho, estarei com George Amaral conversando sobre literatura e ecologia, com o lançamento de Um estranho tĂŁo familiar, livro do George.Â
A feira ocorrerĂĄ durante o feriado de Corpus Christi com cerca de 130 editoras â foi dos eventos mais legais no ano passado e estou muito animada para esta!
No mesmo estande, mas com a editora QuelÎnio, também terå um pÎster com uma frase minha à venda, estou muito animada. A editora faz cartazes lindos com frases da literatura.
A Feira do Livro. 10 de junho, såbado, 11h. Estande das editoras Bandeirola, Barbatana, Jabuticaba, Incompleta e QuelÎnio. Tenda Q9 E. Praça Charles Miller, Pacaembu, São Paulo (SP). Gratuito.
Muito obrigada!
Agradeço a leitura! Se vocĂȘ gostou desta edição da newsletter:
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đ Ficarei feliz se puder repassar a pessoas legais.
đ Vou adorar receber um comentĂĄrio tambĂ©m!
Meu muito obrigada para quem lĂȘ e recomenda a Anacronista â€ïž
Para hoje e todos os dias de 2023:
todo poder à alegria, ao desejo e à imaginação!
Ana, chorei com a frase que agora eu tb aprendi vinda do Chile porque hĂĄ mesmo pessoas lindas por toda parte e Ă© fĂĄcil se esquecer disso no antropoceno...
Adorei esta edição Anacronista levando a gente para viajar pelo mundo! Juro que deu vontade de ir pra feira do livro de Turim. Que estas bolhas melhorem logo, que o Telempatia conquiste muitas leituras pela Itålia e pelo mundo afora, e agora jå estou torcendo pra um dia ler um livro seu com narrativas de viagem. Um beijo bem grande - e obrigada por linkar aqui pro Sofå da Surina!