Riscando o mês: desenhos feios e mente sã 📚
Como comecei a desenhar (e não sei para onde isso vai). O “Carga viva” em clubes de livro. O evento “Texto e o Tempo 2025”, um final de semana para newsletters. Dicas de leitura.
Olá,
Julho chegou e vim contar como fiz para rabiscar um mínimo de sanidade deste lado da tela. Antes, deixo convites. Ainda seguem três sugestões de leitura.
Com carinho e animação,
Ana Rüsche
Poesia no romance, romance na poesia
Amanhã, quinta, 3/7, estarei com minha amiga Júlia de Carvalho Hansen na livraria Bibla para celebrarmos os lançamentos de nossos dois livros: o dela, Ano passado, um livro de poesia que fala de prosa; o meu Carga viva, um livro de prosa que fala de poesia. A mediação será de Roberto Zular, professor de Teoria Literária e Comparada da Universidade de São Paulo. A livraria vive sendo exaltada no TikTok, assim, se nunca visitou, fica o convite.
📚 Ano passado, poesia, de Júlia de Carvalho Hansen, editora Nós
📚 Carga viva, romance, de Ana Rüsche, editora Rocco
📍Poesia no romance, romance na poesia, 3/7, quinta, 19h. Livraria Bibla. Praça Professora Emília Barbosa Lima, 58, Vila Madalena, São Paulo (SP).
On-line: Carga viva em clubes do livro
Dois clubes selecionaram o Carga viva para leituras conjuntas em julho e agosto. Quem sabe você não se anima?
Apoiadores da Rita von Hunty, clube do livro do Tempero Drag. Detalhes no ApoiaSe. Sim, eu sempre morro um pouco do coração quando a Ritinha lembra da minha existência.
Literatura e Psicanálise: Clube do Livro, coordenado por Fabiane Secches. Simplesmente adoro as escolhas das obras e fiquei muito honrada e feliz do romance estar na programação.
Desenhos feios e a eterna busca pela sanidade mental
Como comecei a desenhar e não sei para onde isso vai
1. Não enlouquecer é uma arte
A vida corrida. A falta de dinheiro. A pressão estética. A falta de amor. A sobrecarga. A pasmaceira. Cada pessoa tem seu quinhão, geralmente agravado em algumas épocas, como final de semestre. Qual o seu?
Minha fazendinha situa-se num entroncamento da correria com a sobrecarga, com uma ribanceira que termina no riacho da exaustão. Já conheço alguns dos limites dessa bela propriedade imaginária e, por experiência, fico longe de algumas cercas e de algumas águas. Entretanto, como em tantas terras encantadas, nem sempre é simples de se fazer o que é melhor para nós.
Daí nesses últimos meses, para me afastar de limites perigosos, usei uma técnica que aprendi com minha amiga Luiza Barufi. No caso dela, foi cerâmica. No meu caso, bem, algo que nunca falta na minha bolsa é papel e caneta.
2. A técnica é simples
Toda técnica simples é terrível, pois parece que todas as pessoas são aptas para as realizarem, menos nós, reparou? Basta alguém falar de uma receita que é “pá-pum” e você logo revira os olhos mentalmente, com uma sujeira e dúvidas na pia. Basta nos dizerem que é o “ponto mais fácil do mundo” para você estar com dois novelos de tricô ao redor do pescoço.
Nesse caso, acho que é realmente uma técnica simples, mas se você não achar isso, está tudo bem:
Defina alguma arte ou manualidade que você tem inclinação, mas pouco jeito. Sempre há uma dezena de coisas assim. Pintar miniaturas. Escrever poemas. Fazer aquarelas. Crochetar. Tocar violão.
Para a técnica funcionar precisa ser algo que ocupe as mãos, não seja difícil de manter e faça você sair do celular.
3. Escolhi desenhar
Não faço a menor ideia de como fazer isso. Lembrei de uma vez quando um quadrinista me falou, “para você criar uma história em quadrinho, basta usar aqueles bonecos de pauzinhos”. Na realidade, duvido dessa facilidade (afinal, se tem algo que sei é como histórias são complexas para serem montadas), mas guardei no bolso o conselho.
Início de junho. Nem sei como comecei. Li as primeiras páginas de um manual sobre desenhos urbanos, depois, o livro ficou numa outra cidade, era complicado carregar comigo com tantas feiras de livros em junho. Comprei um caderno menor de capa dura, um tipo que uso muito para viajar. Assim, o máximo que aconteceria é usar o caderno como sempre uso, tomando notas escritas.
O primeiro desenho foi de um bule e quatro xícaras numa cafeteria.
Foi possível reconhecer o motivo.
O segundo desenho foi de uma Superquadra, em Brasília.
As linhas retas ajudaram.
Guardei o caderno.
Cada dia iria me forçar a fazer um.
4. O bálsamo do feio
A segunda parte da técnica, como você intuiu, é realizar a atividade da forma que dá. Tudo bem se a coisa fica horrorosa. Por exemplo, não há nada pior do que cantar mal. Mas estamos fazendo algo que gostamos e dizem, “quem canta os males espanta”. Não há muito propósito nisso além de existirmos. Colocarmos nossa energia em algo que necessariamente não vai ficar bom. Virar-se para as cobranças das redes, da estética organizadinha demais. Fazer o que se quer. Por alguns instantes em determinada frequência. Se as AIs podem fazer tudo (mentira), vamos fazer o que achamos divertido. De uma forma muito doida, isso dá certo.
Diminui um pouquinho a loucura dos dias.
5. O caderninho, um mês depois
Decidi parar, todos os dias para desenhar algo. Nunca dura mais que quinze minutos. Até achei que na minha regra interna, gastar pouco tempo entrou no acordo. Os problemas do meu quinhão, o da correria.
Já reparei que agora fico feliz quando vou a algum lugar querido e posso desenhar uma paisagem que gostaria de fixar melhor no coração. Esses dias foi a vez do Parque do Ibirapuera, não gostei do resultado, mas tudo certo, é justamente isso o relevante.
No caderno agora, há muitos aviões (não acerto um), cadeiras (quantos ângulos!) e plantas. Em especial, reparei como há árvores na paisagem urbana. Na categoria maiores medos, tenho pavor em rabiscar pessoas, embora as avenidas guardem uma simplificada enganosa.
No início, queria colocar títulos charmosos. Depois, entendi que a data estava suficiente. Afinal, ao folhear o caderninho, nunca me esqueço onde estive, um diário dos últimos dias — o vento no rosto, a velocidade do traço para terminar aquilo antes de entrar em alguma atividade, a vergonha de outras pessoas verem, quando erro irremediavelmente uma perspectiva, quando não quero que o ônibus chegue para dar tempo de terminar os traços. Descobri uma vantagem do ônibus sempre demorar demais.
Agora, tenho um caderno com vinte e quatro desenhos e pouquíssimas palavras.
O pobre papel precisa ficar um pouco livre delas.
6. E então?
Não há nenhuma utilidade em nada disso. Aliás, na arte em geral, embora não ache que meu simples caderninho pertença a esse tipo de terra. Mas existe algo que engendramos. Engendramos o próprio tempo. Memórias. Uma certa minúscula felicidade. É do desconjuntado que nasce alguma coisa para voltarmos a nós.
Neste mês que adoro, julho, que você possa usar a técnica de criar coisinhas feias para nos divertirmos e respirarmos melhor.
Sincrônicas: o que estou lendo
📚 Acredita que estou relendo O nome da rosa, do Umberto Eco?
E pior, tudo no celular, no aplicativo do Kindle, pois andei numa situação com pouca iluminação (estava no hospital de acompanhante). Não me lembrava do estilo do Eco ser tão prolixo. Mas está divertido, estou no final do quinto dia de crimes na abadia medieval, logo termino. Faz parte de uma pesquisa para minha próxima prosa longa. Trad. de Aurora Bernardini e Homero Freitas de Andrade, ed. Record.
📚 Lirismo, melancolia, poesia é uma não ficção de Márcia Moura Coelho, que passa por esses temas por meio da perspectiva da psicanálise junguiana. É tão bonito, em especial, quando traz o aspecto da transformação, um embrião inscrito na melancolia. Editora Appris. Um trechinho:
“A intimidade convida a uma introspecção, a uma entrada na alma que nos deixa próximos, vizinhos da melancolia e da poesia. Não importa: mesmo que estejamos muito bem, ao adentrarmos um pouquinho mais fundo na alma, a tonalidade melancólica nos fareja. Essa é uma crença importante a ser desfeita: estar melancólico não significa necessariamente estar mal. A psicanalista búlgara e radicada na França, Julia Kristeva (1989, p. 13) chega a afirmar que não há imaginação que não seja, secreta ou abertamente, melancólica. E se não há imaginação que não seja melancólica, não há poesia sem imaginação.”
📚 Estava n’A Feira do Livro e não resisti. Comecei a folhear este livro e não queria mais me desfazer do volume: A nostalgia: quando, afinal, estamos em casa?, da francesa Barbara Cassin, trad. Cláudio Oliveira. Nem sei te explicar, mas a autora mistura coisas que compreendo e não compreendo bem (e já me dá uma vontade imensa de escrever), como pertencimento, estar em casa, estar fora, habitar uma língua e outros temas a partir de obras que passam pelo exílio, das figuras míticas de Ulisses e Eneias à moderna Hannah Arendt. Editora Quina.
Convites
💌 Um final de semana para newsletters
A terceira edição de O Texto e o Tempo vem aí! Neste final de semana, acontece esse encontro virtual para celebrar o universo das newsletters brasileiras.
No programa de sábado, muita gente talentosa, de áreas diferentes, como viagem, quadrinhos, literatura, jornalismo, ciência e espiritualidade. A programação ainda oferece, no domingo, três workshops para quem gostaria de mergulhar nesse universo. É possível assistir gravado depois. Participo, ajudando na produção do evento.
Venha, sempre é uma delícia! O Texto e o Tempo, 5 e 6 de julho de 2025. On-line via Zoom. Inscrições pelo Sympla.
✏️ Tecnologias da Escrita: A mão e a máquina
Participei da curadoria de um ciclo sobre tecnologias de escrita no Sesc Vila Mariana, em São Paulo e, até o final de julho, você pode visitar a instalação Tecnologias da escrita. A partir de objetos conhecidos do mundo doméstico, do mata-borrão ao laptop, da pena às IAs, a instalação apresenta como os suportes da escrita se alteraram ao longo dos últimos 125 anos, abrangendo desde o uso do tinteiro até o teclado do computador.
A instalação fica dentro da sala de cursos do Espaço de Tecnologias e Artes. Apesar dos textos e do vídeo que acompanha os objetos expostos, como a outra curadora, Lígia Colares, bem disse, o mais bonito são os encontros entre gerações com pais e avós explicando às crianças como se usava um disquete ou uma máquina de escrever.
Na equipe, além da Lígia Colares e eu na curadoria, ainda trabalharam o arquiteto André Santiago, o designer George Amaral e o editor de vídeo Jaider Lopes da Silva Filho.
Sesc Vila Mariana. Rua Pelotas, 141. Espaço de Tecnologias e Artes, 3º andar, Torre A. Visitação de terça a domingo, das 11h às 17h (durante a semana, conforme a programação local do ETA). Até 31 de julho.
Para produzir esta edição
Foram necessários 24 desenhos, feitos a partir do início de junho, deu certinho um mês de atividade. Só trouxe os mais bonitinhos aqui. Se achar feio, é isso mesmo. Para a redação da newsletter, gastarei as costumeiras quatro horas.
Hoje, assim como em 98% das vezes, foi tudo analógico, orgânico, sem IAs, a humanidade na sua forma mais crua e feliz — fiz um especial sobre IAs e a escrita, caso queira ler.
Agradeço a todas as pessoas que apoiam financeiramente a Anacronista via ApoiaSe. Estou pensando num projeto novo com muita calma para o segundo semestre e, sem vocês, não teria energia mental suficiente para uma nova aventura.
Muito obrigada!
Se gostou da edição, repasse para pessoas legais ou deixe um comentário:
🧡 Já fez algum tipo de manualidade ou arte de forma amadora? Me conte.
🧡 Como está o coração em julho?
🧡 Conseguiu folhear o Carga viva?
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Na próxima edição
Se tudo der certo, vamos falar de viagens literárias!
Eu desenho desde criança e confesso: o momento mais feliz da minha vida foi fazer um curso de Design Gráfico (a parte introdutória, básico de arte e design) e ter que DESENHAR como lição de casa. Nem na escola eu tive isso.
É mágico.
(Mas eu oscilo entre outros 7 passatempos e faz um bocado que não pego em lápis/caneta para tal. Voltarei <3)
O texto e os desenhos são ótimos! Minha coisa manual que não sou boa é a aquarela. Me ajuda muito a focar no agora, mesmo que as pinturas fiquem feias