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📚 Newsletter também é literatura?
Newsletter, essa forma peculiar de expressão — do diário público ao ensaio, do tutorial à ficção.
Olá!
O tema da newsletter hoje será… newsletter! Em homenagem ao evento O texto e o tempo, dois dias para conversar sobre essa maravilhosa ferramenta de escrita. Começa amanhã, 5/11, e vai até domingo.
Aproveito para agradecer por você prestigiar a Anacronista! 💌
Tudo isso só é possível, pois existe alguém do outro lado.
Um abraço e boa leitura!
📒 O texto levou: newsletter, essa forma peculiar de expressão
Imagino que você já saiba ou até tenha feito sua inscrição no evento de amanhã. Mas se for novidade ou se você não poderá estar conosco, deixo aqui meus apontamentos para a mesa em que participarei no domingo. E se você for, fica de aquecimento ;)
O título da mesa redonda é Newsletter também é literatura? Participam Aline Valek, Ariela K., Carla Soares, com a mediação de Vanessa Guedes. Há duas perguntas que se seguem a esse título, “seria a newsletter um novo formato ou gênero literário?”.
Apesar de ser tentador vestir meu chapéu de escritora para responder à questão, primeiro prefiro vir como acadêmica. Há duas palavras-chave no título e no subtítulo que dão um pano imenso para a manga e achei que valia conversar sobre estes termos: “literatura” e “gênero literário”.
A literatura precisa da ficção? Entre o diário público e o ensaio
A ideia do que seja literatura vai mudar muito ao longo dos séculos. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, diria Camões. Se hoje literatura se confunde com narrativas em prosa (até excluindo a poesia, muitas vezes), a noção antes já abarcou diversas formas escritas — da carta do Pero Vaz de Caminha, sobre o “achamento” destas terras, a ensaios de Michel de Montaigne sobre a amizade. Ou seja, seria hoje a literatura tributária somente da ficção?
A pergunta é útil, pois o panorama que temos de newsletters é bastante diverso em termos de tratamento do texto. Chuto, sem base alguma (pronto, já comecei a colocar o chapéu de escritora), que o formato mais comum de newsletter brasileira é uma espécie híbrida entre o diário público e o ensaio. Uma parente de segundo grau da crônica, quando se salienta os acontecimentos de produção de um texto, mas com discussão mais longa sobre um tema, ressaltando-se a escrita de si.
Diários públicos e a falta de lineariedade
Uso o termo “diário público” de empréstimo de Ana Lydia Santiago e Nádia Laguárdia de Lima (2009), pois é um pouco diferente do tradicional “diário íntimo”:
Muitos diários íntimos foram escritos para circularem e mesmo lidos em voz alta. Então, a diferença do que fazemos hoje não é a exposição confessional de algo (isso seguimos fazendo, claro, vide os stories no Instagram), mas sim o tratamento da sequência de eventos. Nessa modalidade, “para que a escrita de si fosse possível, era necessário um suporte material que possibilitasse um texto contínuo, linear”, por exemplo, um caderno, onde a junção das folhas unidas com a maravilhosa técnica da encadernação “favoreceu a escrita linear, com uma ordem cronológica, temporal, sequencial”.
Agora, o pulo do gato: o diário público, além da escrita de si, desde a era dos blogs, presume a não-lineariedade. Como não é encadernado, você pode começar a ler por onde quiser. Inclusive pode começar a ler pelo “agora”. Não é curioso?
Ainda há uma outra característica central nos diários públicos: a inserção de outros textos em nosso texto. Óbvio que todo texto é afetado por seus contexto, mas me refiro a inserção direta de hiperlinks e a respostas a temas que estão no ar.
Exercitando a não ficção, entre o diário público e o ensaio
Vamos às aplicações da teoria. O título da newsletter da Vanessa Guedes, Segredos em Órbita, exemplifica esse método o diário público e o ensaio desde o título: pactua-se uma relação de intimidade com quem nos lê (diário), embora, no conteúdo, haja mesmo a discussão temática de algum assunto que a escritora eleja (ensaio).
Algo semelhante se passa nas edições d’A Diletante, da Ariela K., quase um convite para diletarmos em conjunto com a autora a partir de experiências pessoais — uma das características maravilhosas do ensaio é, bem, ensaiar, experimentar, arriscar e, com isso, produzir conhecimento. A Outra Cozinha, título da newsletter da Carla Soares, também afirma essa oscilação, nos convida a um espaço textual, emulando o íntimo da casa, da cozinha, mas que irá perambular até a busca de argila da beira do rio ou a análise de uma série, com um acúmulo questionador.
Note, entretanto, que até agora não entramos nos domínios da ficção. Estamos ainda agarradas à realidade.
Seria nosso conceito de literatura largo o suficiente para incluir a não ficção?
Newsletter, uma forma ameboide de fagocitar um assunto
Apesar dessa tendência ensaística-diaresca, o grande potencial da newsletter é conter justamente o que quisermos. Uma grande ameba que pode fagocitar e alterar a própria forma para se adequar ao conteúdo.
Assim, claro que pode conter ficção! Inclusive seriada, uma continuação do suporte do folhetim e da revista. Ou ainda, algo mais puramente ensaístico, com menos relação com as escritas de si. Ou ainda, focada em passar tutoriais, com ênfase em quem lê a carta eletrônica.
Vamos os exemplos. Um caso de ficção seriada seria o projeto Areia e Pólvora, que circula na 20.000 Histórias Submarinas, de Lis Vilas Boas — a narrativa está agora na reta final. Com tom ensaístico, diria que exemplos seriam a newsletter Uma Palavra, de Aline Valek, ou mesmo esta Anacronista, cujas edições, na maioria, possuem jeitão de ensaio com menos conteúdos biográficos. A newsletter do Manual do Usuário traz matérias, resenhas e até tutoriais, bem focada na função referencial do texto. Evidentemente, essas editorias podem mudar a depender do humor do dia. Daí a graça toda de publicar assim.
Não há um gênero definido para a newsletter. Muito menos uma forma fixa. Se couber na formatação pré-estabelecida pelas plataformas MailChimp, Revenue, Substack, TinyLetter e outras, está valendo!
Agora, possuir uma forma elástica não faz com que um texto seja menos importante. O próprio romance possui uma forma bastante flexível, capaz de conter os tratados de música de Thomas Mann, as viagens espaciais de Octavia Butler, passando pela escrita de si, de Annie Ernaux a Conceição Evaristo.
Inclusive, o Nobel fresquinho de Annie Ernaux, a qual faz um extenso diário público em seus livros, com dados muito precisos de seu cotidiano, sem ficcionalizar experiências biográficas (“a imaginação não tem lugar nos meus livros", declara a autora), nos devolve a pergunta novamente: seria nosso conceito de literatura largo o suficiente para incluir a não ficção?
Deixo uma piscada.
Até domingo!
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Hoje, sexta, às 12h45, abrirei uma live no Instagram, com Arthur Marchetto, Ligia Colares e Thiago Ambrósio Lage, para conversarmos sobre o evento: @anarusche.
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📓 Referência: Ana Lydia Santiago e Nádia Laguárdia de Lima [artigo]. Do diário íntimo ao blog: o sujeito entre a linearidade e a espacialidade. Revista Subjetividades, 9(3), 939–962, 2009.
✏️ Evento: O texto e o tempo
Dias 5 e 6 de novembro de 2022 (sábado e domingo). Das 10h às 18h, on-line, via Zoom. As mesas e oficinas não serão gravadas. https://bit.ly/evento-newsletter
🚀 Nos Territórios da Ficção Especulativa
Se você estiver na cidade de São Paulo, participarei de um ciclo de conversas na biblioteca no Sesc 24 de Maio. O ciclo nos Territórios da Ficção Especulativa tem a intenção de inspirar a reflexão e o debate acerca do universo das narrativas extraordinárias, histórias que extrapolam a realidade como a conhecemos.
Venha! Serei mediadora das seguintes conversas:
8/11 | Afrofuturismo, com Kelly Cristina
9/11 | Distopia, com Claudia Fusco
29/11 | Ficção Científica, com Ana Cristina Rodrigues
30/11 | Fantasia e Terror, com Camila Fernandes
Haverá ainda uma oficina acompanhando o ciclo.
Todos às 19h, presenciais e sem transmissão (igual aos velhos tempos). Grátis. Biblioteca, 4o andar. Rua 24 de Maio, 109, Centro, Metrô República. São Paulo (SP).
¡Muchas gracias!
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🎧 Você pode escutar edições da Anacronista adaptadas ao formato de podcast no Spotify.
📚 Newsletter também é literatura?
Ana, uma análise muito sensível e verdadeira nessa edição! O que mais me atrai na newsletter é justamente ser um meio tão maleável, que permite escrever de tantos jeitos e sobre tantos temas diferentes. É um portal para contínua reinvenção na escrita. Doida para nossa conversa de amanhã! Um beijo <3
li só agora depois do evento e tudo fez bem mais sentido!
adorei te ouvir e estar contigo nesse acontecimento.
beijo,